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Camila Balthazar

Velejar me ensina sobre o mar e o vento, mas também escancara os meus medos

Updated: Mar 9, 2021



Vivi a primeira tempestade em mar aberto no final de janeiro. Estávamos na costa de Bombinhas, em Santa Catarina, quando o céu escureceu, as nuvens assumiram um formato de ciclone e uma chuva torrencial caiu, junto com raios e trovões. Parte do continente sumiu atrás da chuva. Não tinha pra onde fugir.


Só deu tempo de correr para dentro do barco para fechar as janelas (as "gaiútas", no vocabulário náutico), recolher parte das velas e ligar o motor, para tentar manter algum controle no meio de tanto vento. O veleiro escorregava em ondas de dois metros, dando aquele frio na barriga de montanha russa.


Para quem tem experiência na vela, imagino que a situação nem era tão caótica assim. Para quem vivia isso pela primeira vez, parecia que o mar queria nos deixar à deriva. Meu cérebro deu tilt. Bugou. Tela azul. Eu tinha vontade de gargalhar e chorar ao mesmo tempo.


A tempestade durou uns 20 minutos. A ironia foi chegar ao lugar da ancoragem e assistir a um dos entardeceres mais lindos que já vi do barco. De um lado, o mar e o céu coloridos. Do outro, um arco-íris na montanha. Fui do medo à euforia em segundos.



É impressionante a frequência com que o veleiro me coloca de frente com os meus medos e inseguranças. Quantas vezes descubro como reajo a situações de pânico enquanto estou vivendo a rotina em terra? Quase nunca. O barco, porém, não tem espaço para emoções contidas.


Eu, que me achava corajosa, comecei a pensar que sempre estivera enganada. Na verdade, eu era medrosa. Medo da falta de controle — e eu lá posso decidir como o mar, o vento e as correntes vão se comportar? Será mesmo que o veleiro não vai virar?


Medo de não ser capaz de comandar um barco — o mundo da vela é ainda mais masculino do que qualquer outro ambiente que eu já tenha vivenciado. Ao olhar ao redor, a impressão é a de que mulheres simplesmente não têm capacidade para ocupar esse lugar.


Medo de nunca entender como juntar todas as peças do jogo: leme, escotas, catracas, posição das velas e tantos outros nomes para decorar. Fora a física envolvida nos ângulos perfeitos entre vela e direção do vento. Era como se eu estivesse aprendendo a jogar futebol, sem saber o que é uma bola. Eu não sabia nenhuma regra do esporte.


E medo, é claro, de passar um perrengue muito grande. Medo de naufragar, de ficar perdida no mar, de ser atropelada por uma lancha e de tantas outras tragédias mirabolantes. Quando pesquiso um pouco — nem precisa ser muito —, fica evidente que a chance de alguma dessas catástrofes acontecer é mínima.


Foram dois meses arrastados. Eu amava ir pro mar, mas só de carona! Deu vontade de desistir de aprender a velejar. Faltava ânimo para continuar aparecendo na aula de Laser (um barco menor, aquele do Robert Scheidt), já que eu não entendia o que o professor falava. Eu só executava ordens. Não era capaz de tomar uma decisão sozinha.


Mas decidi que iria aprender, com ou sem medo. Decidi que um dia ficaria sozinha em um veleiro oceânico. Decidi que um dia velejaria só com mulheres.


Quatro meses depois, fico feliz em ver que o medo tá mais quieto, controladinho. O mar parece mais calmo. Ao olhar para trás, nenhum daqueles medos me dá tanto medo. Existem inseguranças novas, mas agora eu tento imaginar que um dia elas também serão pequenas. É melhor acolher esses medos e fazer com que não gritem tão alto.


Aquela tempestade do final de janeiro foi um susto. Numa próxima, porém, o medo não me encontrará tão distraída. A tempestade também me mostrou que preciso ter mais autocontrole. Não dá pra paralisar e ficar sem reação em alto mar.


Tem uma frase que li há um tempo e desde então guardo no bolso: “Teimosia ou determinação dizem respeito à mesma energia, mas são identificadas somente no fim da história. Se deu errado, era teimosia. Se deu certo, era determinação.” É do livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, da Ana Claudia Quintana Arantes.


Sei que cada nova história no mar vai escancarar novas inseguranças que eu nunca tinha esbarrado. É estranho, mas entendi que esse também é um dos motivos que me faz amar a vela. Enquanto navego por esses sentimentos, torço para que minha insistência em aprender a velejar seja um caso de determinação; não de teimosa.



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