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Camila Balthazar

As quatro perguntas que mais escuto quando descobrem que sou ghost writer

Updated: Feb 8, 2021


Foto: Pexels | Ksenia Chernaya

No início de 2015, recebi este e-mail: "Aproveitando, fora do script, quanto você cobraria para ser a ghost writer do meu próximo livro? Fiquei impressionado com a forma como você me retratou naquela matéria."


Eu nunca tinha pensado em ser ghost writer. O remetente do e-mail era um executivo bem-sucedido que eu entrevistara um tempo antes para escrever um perfil na revista de bordo da Avianca Brasil.

Durante a conversa de quase duas horas, perguntei sobre episódios da infância, do início da carreira e da trajetória que o levou até o cargo de presidente daquela empresa. Depois de transcrever o áudio e organizar as mais de vinte páginas da gravação, escrevi a matéria que o motivara a enviar aquela mensagem.

Ele perguntava quanto eu cobraria. Mas eu não tinha ideia quanto cobrava um ghost writer. Na verdade, não sabia nem se era um trabalho legal — no sentido da lei mesmo, jurídico.

Foi fácil descobrir que era possível assinar um acordo de confidencialidade e um contrato em que eu cederia os direitos autorais. Foi menos fácil ter referências de quanto custava, mas estimei quantas horas eu investiria naquele trabalho (cerca de 350, naquele caso) e multipliquei pelo valor da minha hora.

Enviei a proposta. O executivo disse sim. Trabalhamos dez meses juntos, com encontros quase semanais e frequentes telefonemas. O lançamento do livro lotou a Livraria Cultura de São Paulo.

Certa vez o autor me encaminhou uma mensagem recebida de um leitor: “A história é emocionante e muito bem escrita. Parece contada entre amigos. Como se estivéssemos juntos tomando um vinho.” Foi o meu sinal de missão cumprida.

Acabei descobrindo que gostava de ser ghost writer. Ganho permissão para entrar na cabeça e no coração do autor, descobrir novos pontos de vista e lapidar minha escrita — afinal, preciso exercitar novas linguagens e estilos, dependendo de quem é o autor.

Mas há muita dúvida ao redor desse ofício. Entre tantas perguntas que ouvi nos últimos anos, decidi compartilhar algumas aqui.

Por que contratar um ghost writer em vez de escrever o próprio livro?

Há quem se decepcione ao descobrir que muitas autobiografias e obras sobre assuntos corporativos não foram escritas pelo autor que assina a capa do livro. Mas isso não significa que a história não é daquele autor.

CEOs, especialistas e celebridades têm talento em suas áreas, além de muitas histórias que gostaríamos de ouvir. Mas não necessariamente também são ótimos escritores ou têm tempo para se dedicar à escrita de um livro.

Por outro lado, ghost writers têm técnica para transformar essas ideias em palavras. Sabem estruturar o material. Conhecem as ferramentas para escrever um capítulo — da escolha da primeira frase para prender a atenção do leitor ao parágrafo de fechamento. Treinam a escrita todos os dias.

Como escrever com o estilo do autor, não do ghost writer?

Enquanto ouço as histórias, estou sempre lendo as entrelinhas, prestando atenção na ênfase que o autor dá a cada trecho. Preciso aprender seu jeito: expressões que gosta de usar, estilo das frases — mais longas ou curtas? — e preferências por palavras. É como um ator estudando para interpretar um personagem.

Ainda assim, antes de escrever todo o livro, faço dois ou três capítulos piloto. Nessa etapa o autor vê como o processo funciona na prática e observa se já se reconhece no texto. Lapidamos a linguagem e fazemos os primeiros ajustes.

Sempre destaco que uso técnicas do jornalismo para captar toda a história, mas o resultado não será uma matéria jornalística com o meu estilo.

Você não fica triste ao não ver seu nome na capa do livro?

Meu acordo com o autor é de anonimato. Em momento algum sinto que o livro é meu. Não são as minhas histórias, as minhas ideias ou o meu estilo. Me sinto, sim, responsável pelo resultado do trabalho. Quero que as pessoas gostem de ler, tenham a sensação de estar ouvindo o autor contando aquelas histórias.

Durante o processo de escrita do livro, já aconteceu de o autor me convidar para assinar a obra em parceria. “Todo mundo sabe que não sei escrever!”, ele disse, rindo. Aceitei o convite. Também já fui convidada para o lançamento do livro e, durante o evento, o autor me apresentou a todos como a sua ghost writer. Da minha parte, porém, ficarei sempre quieta.

Dá para escrever qualquer livro como ghost writer?

Acredito que todo mundo tem uma história para contar. E gosto de poder dar voz a essas histórias como ghost writer. No entanto, essa lógica não se aplica aos livros de ficção — gênero que envolve imaginação e criação de personagens, além de uma trama elaboradíssima.

Por mais que o autor me contasse sua ideia para essa história fictícia e narrasse todos os fatos, eu certamente faria muitas intervenções na hora de transcrever tudo para o papel. Talvez seja meu lado jornalista falando, mas escreveria qualquer livro como ghost writer, desde que seja uma história real (e ética!).

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