top of page

Os segredos do presidente do Google Brasil

Já faz três anos que o vice-presidente da Google Inc. e presidente do Google Brasil, Fabio Coelho, figura na lista da Forbes Brasil dos 10 melhores CEOs do país. A empresa de tecnologia também ganha consecutivos prêmios de melhor lugar para trabalhar. Por trás do escritório moderno e descolado na Avenida Faria Lima, em São Paulo, que oferece de estúdio de música a salas coloridas de relaxamento e refeições gratuitas para os colaboradores, há bastante trabalho e dedicação. O executivo, que está à frente da operação desde 2011, é fruto de uma determinada estratégia de sucesso: Fabio cresceu em Vitória, virou engenheiro civil no Rio de Janeiro, estudou em Harvard e conquistou o primeiro cargo de presidente de empresa nos Estados Unidos. Mesmo afirmando ter um perfil mais introspectivo, ele lidera e inspira pessoas pelo exemplo.

​

​​

Fabio Coelho abre o YouTube e procura pelo nome “Ivana Coelho”, menina poliglota de 11 anos que possui o canal “Cenoritas”, com mais de 130 mil seguidores. Desde que a filha caçula do presidente do Google Brasil foi semifinalista do reality show de culinária MasterChef Júnior, exibido pela Band em 2015, ela virou a celebridade da família. “Ela é uma youtuber famosa”, comenta Fabio, orgulhoso da trajetória das filhas. Na sequência, ele abre o Facebook para mostrar as outras duas filhas, de 20 e 19 anos, que estudam em Nova York, nos Estados Unidos: uma é cantora de ópera e a outra estuda mídia e entretenimento na economia digital.

​

Da sua sala no escritório do Google, em São Paulo, rodeado de quadros coloridos na parede e pequenos brinquedos espalhados pela mesa, Fabio volta aos tempos de infância, resgatando cada uma das etapas que o levaram a chegar aonde está hoje – e mostrando fotos suas no início da carreira. Enquanto compartilha os bastidores da sua vida pessoal e profissional, ele garante que a timidez sempre o acompanhou. “Quem me conhece sabe que meu perfil é mais introvertido”, diz Fabio, que entrou no Google Brasil em 2011 para assumir a presidência. “Até hoje, com 53 anos, sofro para subir no palco ou dar uma entrevista.”

​

Esse traço da personalidade foi trabalhado ao longo do tempo, com a mesma determinação que ele planejou como conquistar uma carreira de sucesso. O primeiro exemplo veio de casa. “Meus grandes ídolos são meus pais”, conta Fabio. “Eu olhava e pensava: ‘não acredito que eles sejam tão bacanas e generosos.’” Sem muitos recursos, vindo de uma família de 12 irmãos, o pai saiu de uma pequena cidade do interior de Pernambuco e chegou a Vitória de carona em um avião da Força Aérea Brasileira, que seguia rumo ao Rio de Janeiro. A aeronave teve um problema, parou no meio do caminho e ele ficou lá, sendo a primeira pessoa de Araripina a cursar uma faculdade de engenharia. “Já minha mãe era filha de um médico famoso da elite de Vitória. Eles estão casados há 56 anos.”

​

O casal teve quatro filhos, entre eles Fabio, mas também educou vários sobrinhos vindos de Pernambuco para estudar. “Sempre tinha uns ¬primos mais velhos morando em casa. Tem características importantes aí: a generosidade, a noção de servir ao próximo e a persistência”, destaca o capixaba, admirando não apenas o passado, como também o presente dos pais. “Meu pai trabalhou por 30 anos na Vale do Rio Doce, se aposentou aos 60 anos e montou um negócio na área de engenharia. Aos 85 anos, está implantando a primeira fábrica de transformação de pneus inservíveis para produção de energia do Brasil, além de investir na exploração de bagaço de cana para produção de energia. Ele trabalha até hoje”, relata Fabio. “Já minha mãe se formou em teologia e, se mulheres pudessem ordenar missas no Brasil, ela poderia.”

​

A família sempre foi seu espelho. Aos 13 anos e estudante de uma escola salesiana, Fabio viu o primo ser aprovado no concorrido ITA. “Foi uma excelente referência para mim. Eu vi que, se você se dedicar e estudar, pode conquistar coisas grandes.” Para repetir o feito do primo, ele pegava um ônibus para o Rio de Janeiro, comprava as apostilas de colégios, como Anglo e Objetivo, e estudava os exercícios do cursinho por conta própria. “Isso é para você ter uma ideia de como eu era ‘CDF’”, ri Fabio. “Eu era um ótimo aluno. E eu não era o mais inteligente de todos, não. Mas eu era extremamente dedicado e focado.”

​

Com apenas 16 anos, o estudante de Vitória foi aprovado no curso de engenharia civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Era mais ou menos uma repetição da história do meu pai. Cursar engenharia, entrar em uma empresa pública para fazer coisas legais pelo país e, ao mesmo tempo, ter estabilidade financeira”, afirma. Mas a primeira oportunidade de estágio foi na iniciativa privada. “Entrei para a Dolfim Engenharia. Não sei se a empresa ainda existe. Depois vou dar um Google”, diz Fabio, que ficou responsável pelos cálculos das obras portuárias.

​

Outra cena determinante para sua carreira aconteceu na primeira semana do novo emprego. “Vi uma pessoa chorando porque havia sido mandada embora e estava sem dinheiro e cheia de dívidas. Para mim, aquilo era algo como ‘meu Deus do céu, isso existe?’, lembra o executivo, decidindo naquele momento que construiria competências para ter mais controle e autonomia sobre a sua trajetória, sem precisar depender de chefe ou dos humores do mercado. “Também falei para mim mesmo que nunca teria uma dívida na vida, gastaria pouco e trabalharia e aprenderia muito.”

​

Após quatro anos na Dolfim Engenharia, ele voltou para a vida acadêmica, a fim de fazer um MBA na UFRJ em tempo integral. “Fiz isso com o objetivo de ser cada vez mais dono do meu destino e ser empregável ou poder empreender um dia. O MBA me deu conhecimentos mais amplos, para eu não ser ‘apenas’ engenheiro”, observa Fabio. “Quando eu estava me formando, em 1988 e com 24 anos, aconteceu uma coisa incrível. A Gillette anunciou um processo seletivo para ser trainee internacional em Boston, nos Estados Unidos.”

​

Para Fabio, alguns fatores o levaram a ser o escolhido para embarcar com outros 16 trainees do mundo inteiro. E viver um ano e meio trabalhando na Gillette e estudando em Harvard. “Fui muito bem na entrevista. Consegui mostrar que eu tinha brilho no olho, vontade de fazer as coisas acontecerem”, analisa o executivo. “Talvez eu não estivesse tão preparado quanto outros concorrentes, mas dava para ver até aonde eu tinha chegado com meus recursos. Hoje sou muito sensível a valorizar o esforço de pessoas que vieram de lugares mais humildes porque sabemos a dificuldade que é competir com quem vem de escola de elite. O ponto de partida é diferente.”

Dos 17 trainees internacionais, apenas Fabio concluiu o período proposto de 18 meses. A maratona de trabalho, de segunda a sexta-feira das 8h às 17h, seguida de aulas até as 22h30 de segunda a quinta-feira, levava muitos a desistirem. Mas a volta para o Brasil ainda reservava mais um teste de persistência. Em vez de assumir um cargo na sede do escritório, a proposta foi a seguinte: “Fabio, você passou um ano e meio em Boston. Parabéns. Agora queremos que você saia para vender.” Com um carro adesivado com a marca Gillette na porta, ele começou a visitar supermercados para retirar pedidos dos lojistas.

​

“Engoli meus medos e fui vender. Eu era muito tímido e encarei o desafio como uma forma de me desenvolver. Saber vender é útil para tudo”, observa Fabio, que chegou ao final de mais 18 meses recebendo elogios por sua abordagem comercial. “Eles sabiam que eu tinha potencial e determinação para alcançar o objetivo. Fui promovido duas vezes.” Já na posição de gerente de produto sênior da Gillette, o executivo recebeu uma ligação de um headhunter propondo a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo para assumir a gerência de marketing da Quaker Oats e lançar o Gatorade no Brasil, em 1993.

​

“Foi um sucesso”, comenta Fabio, assumindo a direção de marketing da Quaker três anos depois, aos 32 anos. “Perceba que fiquei até os 26 anos entre trainee e vendas. Formei uma base muito forte e rapidamente levantei voo”, conta o capixaba, que despertou a atenção de outras empresas, inclusive do Citibank. “Sabemos que você lançou o Gatorade no Brasil e queremos conversar para você ser diretor de marketing do Citibank no Brasil”, ele ouviu de um executivo do banco. “Falei que não tinha a menor noção do que era o setor financeiro, mas eles disseram que era isso que buscavam: alguém interessado em aprender coisas novas”, lembra.

​

Foram quase três anos de Citibank, até ele assumir o cargo de vice-presidente de marketing da BCP, no ano 2000. “Esse foi o primeiro passo de uma carreira de nove anos que me levou para Atlanta, nos Estados Unidos, onde cheguei a vice-presidente para América Latina, em 2004”, diz. A BCP foi vendida e ele foi convidado a presidir a divisão de internet da AT&T, que também fazia parte do grupo. De todo o time que estava sob sua gestão, 65% dos colaboradores eram afro-americanos. Fabio era o único latino – e ocupava a cadeira de presidente. “Por que as pessoas me admirariam e me ouviriam? O que eu poderia fazer para ser relevante e inspirá-las?”, pensou o executivo na época.

​

“Resolvi ser um líder ainda mais servidor. Levei todo o corpo diretivo para a minha casa para uma discussão sobre perspectiva de vida. Eu queria ouvir qual era o grande sonho da vida deles”, diz Fabio, escutando as motivações genuínas de cada um, fosse pagar a educação dos filhos ou virar cantor. O presidente conseguiu engajar a equipe, indicar o caminho que seria traçado e qual era a perspectiva dos colaboradores diante das conquistas. Somente no primeiro ano, a operação cresceu 65%. “À medida que eu promovia várias pessoas de dentro, eles viam que eu estava falando a verdade. Formamos um time muito forte”, conta.

​

Parte desse crescimento vinha das parcerias que Fabio havia estabelecido para o negócio das “páginas amarelas” da AT&T. “Visitei Yahoo, MSN e Google, que ainda era bem pequenininho. Tinha uma página branca na web e uma barra de buscador escrito Google embaixo. Isso foi 2004”, comenta. Durante a visita à empresa fundada por Larry Page e Sergey Brin, em Mountain View, o brasileiro ficou impressionado com o que viu. “Era de outro mundo, um sonho. Mas nunca consegui trabalhar no Google dos Estados Unidos. Fiz alguns processos seletivos, mas na hora ‘H’ um americano mais preparado do que eu assumia a posição. Entendi que aquilo era normal, fazia parte do jogo.”

​

A história começou a mudar em 2009, quando ele voltou para o Brasil para presidir o portal iG. Ao lado da esposa colombiana e das três filhas, ele veio ficar mais perto dos pais, que até hoje moram em Vitória. “Eu não queria vê-los apenas uma vez por ano”, afirma. Demorou oito meses para o Google descobrir que Fabio estava no Brasil – e mais nove meses para ele mudar de emprego outra vez. “Me chamaram para uma entrevista e ganhei a vaga. Estou aqui há seis anos, feliz da vida, sempre buscando aprender coisas novas, tratar todos com educação, valorizar as pessoas”, diz.

​

Certo de que “presidente” é apenas um cargo, e “líder” um estado de espírito, seu estilo de gestão é pautado em quatro pilares: transmitir esperança e apresentar um caminho melhor para as pessoas, estabelecer relações de confiança, demonstrar estabilidade emocional e reconhecer os outros, e ter compaixão. “Quando você junta tudo isso, você tem um perfil de liderança que inspira outros a dizerem: ‘É com essa pessoa que quero trabalhar’”, avalia o vice-presidente da Google Inc. e presidente do Google Brasil.

​

Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão de quase cem integrantes que assessoram a presidência da república, ele também se dedica ao papel do Google na inclusão digital dos brasileiros – 70 milhões ainda não têm acesso à internet. E abraça a oportunidade de estar em uma empresa considerada uma das melhores para trabalhar no Brasil e ser um líder que aparece com frequência na lista da Forbes Brasil dos melhores CEOs do país. “Estou ajudando uma empresa que é referência no mercado a passar valores sólidos para construir uma sociedade melhor. O que me dá mais satisfação pessoal hoje em dia é usar o exemplo do que construí para mostrar para os outros que é possível. Se eu fizer isso, o que mais posso esperar da vida?”

Publicado em:

Crédito

Agosto de 2017, Avianca em Revista

Fotógrafo Flavio Terra

bottom of page