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A grande travessia de Eric Santos

 “O conselho que eu daria para o Eric de 2010 é confia no seu negócio, mas ‘take your time’. As coisas levam tempo”, diz o fundador da Resultados Digitais, conhecida pela abreviação RD. Faz nove anos que o paulista radicado em Florianópolis começou a estruturar sua empresa de tecnologia baseada em um software de automação para marketing digital. Junto com outros quatro sócios, ele transformou uma demanda pessoal em um negócio internacional, que já captou mais de R$ 80 milhões com fundos de investimentos e atravessou nossas fronteiras para Estados Unidos, Colômbia, México e Portugal.

  

Eric Santos e a irmã mais nova iam para a escola a pé, de mãos dadas. Ele tinha uns 5 anos; ela um ano a menos. O ápice da aventura era cruzar uma rotatória gigante perto do estádio do Guarani Futebol Clube, em Campinas. “Era uma grande travessia”, lembra o fundador da Resultados Digitais. “Não devia ser muito difícil ou minha mãe não deixaria. Mas eu sentia essa responsabilidade de estarmos sozinhos na rua.”

 

O estádio de futebol representava seu sonho de criança de virar jogador profissional. Ele também sonhava em ser piloto de Fórmula 1, mas a opção foi descartada depois de alguns anos devido aos altos custos das corridas. “Lembro que fiquei chateado, mas entendi”, diz Eric, na época com 8 anos. “Já que não poderia ser piloto, pensei em ser engenheiro. Assim, também poderia trabalhar na Fórmula 1.”

 

Aos 11 anos, ele se mudou com a família para Aparecida. Aos 13, um piscar de olhos fez a vida mudar de vez. “Meu pai faleceu”, lembra. “Minha mãe, que era professora de escola pública, precisou sustentar os três filhos.” Eric passou a ver menos a mãe, que trabalhava fora até tarde da noite, e acabou seguindo a ideia de também trabalhar para ganhar seu próprio dinheiro. “Passei pela loja da minha tia, por uma agência de design e uma revista”, diz. “Meus irmãos e eu ficamos mais independentes.”

 

Para acelerar a formação, Eric fez o ensino médio junto com o curso técnico em Eletrônica, na Unesp, e descobriu que preferia a área de engenharia de automação. O livro do Guia do Estudante indicava a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a 900 quilômetros de casa, como uma das mais bem avaliadas nessa graduação. “Eu só tinha visitado Florianópolis uma vez quando era bem pequeno”, diz. “Não lembrava muita coisa.” Mas, aprovado no vestibular, ele se apaixonou rapidinho pela cidade.

 

Eric entrou na faculdade focado no objetivo de ser engenheiro. Chegou à metade do curso gostando de gestão e consultoria. Saiu decidido a empreender. As atividades extracurriculares guiaram essa mudança. Primeiro, ele entrou no NEO Empresarial, um programa para estudantes de engenharia que oferece atividades técnicas e de gestão em parceria com grandes empresas. Depois, foi fazer um intercâmbio de trabalho de três meses em uma estação de esqui nos Estados Unidos, que acabou virando um ano por conta de uma longa greve na UFSC.

 

De volta ao Brasil, entrou para a AIESEC, organização global que desenvolve jovens por meio de experiências de liderança e intercâmbios — a gestão já tinha ofuscado a engenharia. No terceiro ano, assumiu a presidência do escritório local. “Precisei decidir se eu continuava a carreira na AIESEC ou se fazia um intercâmbio”, lembra. “Mas eu tinha que fazer o projeto de conclusão do curso. E se eu viajasse para fazer o projeto?”

 

Durante seis meses, ele morou na Índia. “Foi uma experiência louca”, lembra. “É muita informação, gritaria e buzina o tempo todo. O pensamento na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina é parecido com o nosso. Mas lá aprendi que as crenças e a visão de mundo dos indianos são completamente diferentes.” Durante o período do estágio de conclusão e curso em uma empresa de engenharia, Eric conviveu com pessoas faziam negócios globais, porém, sem grandes estruturas.

 

“O namorado da minha colega de quarto comprava scooters na Índia, onde era muito barato, e vendia na Itália, onde era glamoroso. Ele teve o insight de que existia oferta em um lugar e demanda no outro”, conta Eric. “Voltei para o Brasil e fiquei com a pulga atrás da orelha. Será que não era a hora de empreender?” Alguns argumentos o convenciam a arriscar: ele era novo, não tinha família para sustentar e aprendera a viver com pouco dinheiro.

 

O diploma de engenheiro atraía ofertas de emprego com salários altos. “Declinei tudo”, diz Eric. “Mas eu não tinha certeza de nada. Era uma aventura. Se desse errado, eu voltava para o mercado.” Por onde começar? Ao perceber que a tecnologia para celulares começava a despontar, ele arriscou um empreendimento com dois colegas de quarto.

 

Em 2005, eles fundaram a Praesto, uma empresa de desenvolvimento de aplicativos corporativos para celular para campanhas de marketing. Convém lembrar que iPhones nasceram apenas dois anos depois. O auge da tecnologia era o jogo da cobrinha do celular da Nokia e a votação do reality show Big Brother Brasil por SMS.

 

Potenciais clientes só entendiam o valor do que a Praesto oferecia quando Eric fazia uma breve palestra durante a reunião. “A ficha só caía quando eu mostrava cases e explicava onde a tecnologia funcionava melhor”, diz. “Mas esse modelo não escalava. Eu gastava muita sola de sapato.” A solução apareceu intuitivamente. O empreendedor criou um blog e começou a publicar conteúdo sobre essa nova tecnologia, a fim de educar o mercado e mostrar cases de sucesso.

 

Eric entendeu a teoria do que estava fazendo quando descobriu empresas estrangeiras vendendo softwares de inbound marketing. Ele nunca tinha ouvido falar nesse termo. O jogo agora era outro. Em vez de bombardear o consumidor com propagandas, a estratégia das empresas deveria ser produzir conteúdo relevante para virar referência no seu setor de atuação e, consequentemente, ser encontrada por isso. “Até comecei a negociar para trazer essas empresas para o Brasil, mas a parceria não rolou”, diz Eric. “Ainda bem.”

 

Os sócios da Praesto divergiram em 2010. Eric queria encontrar um produto escalável, enquanto os outros sócios preferiam seguir com o modelo de prestação de serviço. “Não tinha lado certo ou errado”, lembra Eric. “Eram duas visões diferentes. O melhor era separar os caminhos.” Ele vendeu sua parte da Praesto, deixou o cargo de CEO e começou a estruturar a Resultados Digitais, empresa que ofereceria um software para automatizar as ações de marketing digital, integrando redes sociais, blog, e-mail marketing e outras ferramentas.

 

Quatro estagiários que trabalhavam na Praesto entraram para a nova sociedade. Durante o primeiro ano, porém, ninguém recebeu salário. “Eu tinha recurso para pagar algumas despesas da empresa, como computador, domínio e viagem”, lembra. Para gerar receita e testar a demanda, as vendas começaram enquanto o time desenvolvia o software. Até setembro de 2012, data do lançamento do produto batizado de RD Station, o fluxo “automático” era bem manual.

 

“Existem dois caminhos pra seguir em uma empresa de tecnologia, cada um com prós e contras”, diz Eric. “Um é criar demanda e outro é captar demanda existente.” A Resultados Digitais se encaixava no primeiro caso: mercado novo, sem concorrentes brasileiros. O lado positivo dessa posição é criar uma categoria e virar dono dela. Já o negativo é desbravar uma oportunidade sem a certeza do potencial de clientes e receita. Ao começar do zero, a travessia de consolidação tende a ser maior.

 

Para uma empresa que está criando uma categoria, segundo Eric, organizar eventos é fundamental. “Víamos várias empresas do Vale do Silício promovendo eventos e criando uma comunidade”, lembra. “Decidimos fazer o nosso.” A primeira edição do RD Summit aconteceu no final de 2013. As inscrições esgotaram 20 dias antes da data marcada. Os sócios transferiram o evento do pequeno auditório do prédio onde ficava o escritório para uma sala do centro de convenções de Florianópolis, com capacidade para 300 pessoas.

 

“Conseguimos reunir as poucas pessoas do Brasil inteiro que trabalhavam com marketing digital”, diz Eric. “Foi amador no aspecto de som, vídeo e efeitos, mas sentimos uma energia diferente.” Quando Eric subiu ao palco da última edição do RD Summit, em 2018, diante de holofotes e telões gigantes, uma plateia de cinco mil pessoas o aplaudiu — outras sete mil assistiam à transmissão ao vivo do lado de fora. Mesmo virando uma espécie de pop star nesse mercado, ele é o mesmo Eric introvertido de criança. “Não sou o cara que vai subir no palco e fazer piada”, brinca. “Sou mais metódico e racional.”

 

Esse perfil tem um papel importante na hora da negociação com possíveis investidores. Depois de um aporte com investidor anjo no final de 2012, a Resultados Digitais conseguiu a primeira rodada de investimento com um fundo, o DGF, em 2013. Outras duas rodadas de investimentos entraram em 2015 e 2016, somando um total de R$ 83 milhões. “É difícil criar uma empresa de tecnologia sem capital. Precisa de velocidade.” Mas também precisa de respiros.  Foi apenas em 2016 que Eric tirou as primeiras férias. “Eu estava em uma pilha louca”, lembra. “Mas nesse ponto entendi que a RD não apenas já andava sozinha, como melhorava sozinha.”

 

Era hora de olhar para fora. Eric passou no rigoroso processo seletivo da Endeavor, organização global de apoio ao empreendedorismo, e comemorou o prêmio de Empreendedor do Ano de 2017. Um ano depois, a RD fincou bandeiras em países como Colômbia e México. Para avançar mais um passo na jornada de marketing e vendas, também em 2018 a empresa fez sua primeira aquisição: a Plug CRM. Agora, os 12 mil usuários do RD Station podem atrair potenciais clientes via inbound marketing e profissionalizar a gestão do relacionamento via CRM.

 

Também era hora de olhar para dentro. “Fui aprendendo a desligar. Eu era meio freak e não desconectava do trabalho. Quero ficar perto do meu filho. Por ter perdido o pai cedo, sei o quanto isso vale.” Mesmo focado em estratégias de longo prazo, o fundador da RD agora procura desfrutar mais a jornada, como ele mesmo diz. Afinal, ele e os 700 funcionários trabalham para que a travessia não tenha fim.

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Publicado em:

Fotografia Divulgação

Abril de 2019, Avianca em Revista

Fotógrafo Flavio Terra

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