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O estilo direto e sincero de Angela Hirata

O que eu quero ser? Essa é uma pequena pergunta que leva a longas reflexões. Para Angela Tamiko Hirata, presidente da JAPAN HOUSE São Paulo, é o ponto de partida para qualquer um que planeja o futuro profissional. A filha de japoneses sempre quis ser alguém que levasse uma marca brasileira a ser reconhecida no mundo inteiro. O selo “made in Brazil” seria tão valioso quanto o “made in Japan” ou “made in France”. “Era uma obsessão minha”, conta Angela, que realizou o sonho com o case de internacionalização da marca Havaianas. Hoje o jogo virou. Ela trabalha para difundir a cultura japonesa contemporânea entre brasileiros, trazendo o “made in Japan” para a instituição instalada na Avenida Paulista, em São Paulo.

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A bordo do trem que sacolejava pela estrada de ferro de Bauru a Marília, no oeste paulista, Dona Sumiyo Hirata só chorava. De vestido bordado e chapéu branco, Angela observava o choro da mãe sem entender o que acontecia. Era 1946, um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial. O pai não estava por perto. “Tenho essa memória tão nítida na minha cabeça”, conta Angela, lembrando da cena de quando tinha uns dois anos de idade. Naquele momento, a vitória dos países Aliados ainda era tabu para os japoneses que não aceitavam a derrota do império nipônico.

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Filha de japoneses com bons recursos financeiros – “nunca fomos milionários, mas nunca passamos necessidade”, diz –, a nissei só descobriu o motivo da tristeza anos depois. Parte da comunidade cobrou a falta de investimento da família na guerra. “Quando estourou essa briga entre japoneses, começaram a achar que minha família era burguesa e estava negligenciando o Japão”, explica. “Aqueles que achavam que o Japão tinha ganhado a guerra perseguiam as pessoas que entendiam que o país havia sido derrotado, como foi o caso do meu pai.”

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O pai, Takeo Hirata, encontrou abrigo atrás das grades do presídio – e lá ficou uma semana, até a situação se acalmar. A lembrança de 70 anos atrás vem à tona em uma sala de reuniões na JAPAN HOUSE São Paulo, centro cultural inaugurado em maio de 2017 na Avenida Paulista, número 52. Mas a iniciativa do governo japonês começou três anos antes, em 2014. Durante um jantar na capital paulistana, um diretor do Ministério das Relações Exteriores do Japão convidou Angela para participar da licitação pública que escolheria a equipe de gestão do centro cultural japonês.

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“Agradeci muito e falei que não ia aceitar”, lembra a executiva formada em administração de empresas pela Universidade de São Paulo (USP). “Quem sou eu para falar de todo o Japão? Sou brasileira!”, diz Angela, repetindo o que aprendeu com o avô durante a infância. “Não tem que ter vergonha de ser filho de japonês, mas sejam brasileiros”, costumava dizer o avô Chomatsu, que emigrou para o Brasil em 1929, após a crise da Bolsa de Nova York.

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Duas semanas depois, o funcionário do Ministério entrou em contato de novo: “Angela, você precisa participar da licitação”, afirmou. “Queremos mostrar o Japão contemporâneo, sem esquecer da tradição. Desde a Segunda Guerra Mundial, somos um país que busca paz e harmonia. Temos que criar um relacionamento entre os países para fazer algo juntos, progredir, inspirar e desenvolver.” Essa ideia de intercâmbio, que também se estenderia para a América do Sul a partir do hub instalado no Brasil, interessou a executiva que comandava a Suriana, sua “micromíssima” empresa de consultoria, como ela gosta de chamar.

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A agência de publicidade japonesa Dentsu liderou o consórcio de empresas privadas para participar do processo, incluindo também a Construtora Toda do Brasil e o arquiteto Kengo Kuma, além da Suriana. Ao chegar ao Japão para a esperada sabatina, que reuniu outros concorrentes, Angela não acreditou no que ouviu: “Com a sua idade, a senhora tem mesmo condições de fazer a gestão dessa entidade que está para nascer?”, perguntou um dos participantes da Associação de Intelectuais do Japão, que estava à mesa.

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“Acredito que tenho condições de fazer a gestão da JAPAN HOUSE”, afirmou Angela em japonês fluente, fruto das conversas em casa com os pais, das leituras de mangás durante a adolescência e dos programas de TVs japonesas, como a NHK, que assiste até hoje quando está em casa, para não perder o idioma. “Mesmo porque o senhor está me entrevistando com uma idade que me parece ser mais avançada do que a minha”, finalizou a executiva, na época prestes a completar 70 anos. Todos se entreolharam, intimidados com a franqueza da resposta. Com os colegas suando de nervosismo, Angela assumiu a situação e trouxe tranquilidade aos integrantes de seu grupo.

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“Olhei de novo para o senhor e falei: ‘É importante ouvir antes para depois contestar’”, lembra Angela, pedindo desculpas no final da exposição, caso sua fala tivesse ofendido alguém. “Eu sou assim mesmo”, diz Angela, com tom de voz doce que contrasta a firmeza das ideias. “Ou falo direto ou prefiro ficar calada.” Já ciente de que seu grupo era carta fora do baralho, ela aceitou o convite para almoçar no dia seguinte com o tal diretor do Ministério, pensando se tratar de um “almoço de consolo”.

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Mas a sinceridade era justamente o que eles estavam buscando. “A senhora respondeu com muita segurança e franqueza. É o perfil que estamos procurando”, disse ele. Desde então, foram dois anos de projeto, reunindo grandes nomes na construção desse centro de comunicação do Japão contemporâneo, como o premiado arquiteto Kengo Kuma e o curador brasileiro Marcello Dantas. Na época da inauguração, as expectativas mais infladas previam 150 mil visitantes até o fim do ano. Mas, até o final de agosto passado, 300 mil visitantes passaram pelo prédio com fachada que mescla centenárias madeiras do Japão com elementos brasileiros.

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O sucesso da JAPAN HOUSE São Paulo, que também terá sedes em Los Angeles e Londres em breve, tem muitos nomes e sobrenomes por trás. “Não foi só Angela, não. Foi a turma toda”, diz a presidente, destacando que nunca subestima a capacidade das pessoas. “Todos têm sua inteligência e usam para um objetivo comum. Tem que respeitar. Quem está comigo pode fazer melhor que eu. E que seja assim.” É desse modo que ela planeja transformar a JAPAN HOUSE São Paulo em um polo de facilitação às empresas japonesas que queiram atuar no Brasil – e vice-versa. “Vamos criar um membership para dar apoio às dificuldades encontradas quando se atravessa uma fronteira”, comenta.

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Angela tem experiência de sobra em negócios internacionais – e agora aplica seu conhecimento da época em que viajou para mais de 80 países como diretora de comércio internacional da Alpargatas. Dessa vez, não há como fugir do mérito da conquista que carimba sua história: foi ela quem liderou a transformação da marca de sandálias Havaianas em objeto de desejo de estrangeiros, comercializada em mais de cem países. Era 1999 quando a Alpargatas a chamou para trabalhar no posicionamento de seus produtos no mercado internacional. “Primeiro me mostraram Topper e Rainha (o grupo vendeu as marcas no final de 2015)”, lembra Angela, que argumentou que as concorrentes Nike e Adidas já tinham muito mais relevância nesse setor. “Aí vi as Havaianas. Acharam que eu tinha perdido o juízo”, brinca.

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A paulista recebeu o aval e rodou o mundo levando as Havaianas para boutiques de luxo, como Galeries Lafayette, em Paris, e Harrods, em Londres. E finalmente realizou seu sonho de participar da construção de um selo “made in Brazil” desejado no mundo inteiro. Sua história na Alpargatas foi até 2014, já como consultora independente da presidência. Em paralelo, Angela também atendia outros clientes de olho no mercado internacional, como os vinhos Miolo, a Casa Valduga, a Cervejaria Germânia e algumas marcas de moda brasileira.

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O nome Angela Hirata é quase sinônimo do case Havaianas. Mas poucos falam do que vem antes do triunfo das sandálias. Entre os anos de 1989 e 1997, a casa de Angela era Novo Hamburgo, município gaúcho a 40 quilômetros de Porto Alegre, considerado a capital nacional do calçado. E ela queria que o mundo soubesse que os melhores sapatos eram fabricados ali, na região do Vale do Rio dos Sinos. “Eles já vendiam para os Estados Unidos, mas com outras marcas. Quando enxerguei isso, falei: ‘vamos fazer a marca brasileira’”, conta ela. “A Azaleia me chamou para ser sócia de uma empresa de comércio internacional. Mas eles produziam 20 mil pares de um mesmo modelo. Quando falei para fazer apenas 300 pares para a Galeries Lafayette, não aconteceu. Fui vencida.”

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A construção do sonho de encabeçar a criação do selo “made in Brazil” começou mais de 20 anos antes de sua entrada no setor de calçados. O primeiro emprego de Angela foi na Diners Club do Brasil, enquanto fazia faculdade no período da noite. “Trabalhei como assistente de departamento contábil, de 1969 a 1975”, diz. “Acho que foi isso. Faz tanto tempo que nem lembro mais. Preciso olhar minha carteira de trabalho”, brinca. Depois, Angela foi ter sua primeira experiência com marketing na Levi Strauss. Foi lá que ela aprendeu a posicionar uma marca, gerar a percepção de valor de um produto e o impulso do consumidor em comprá-lo. “Entendi que você não consegue expor um produto se não enxergar o mercado”, explica. “E não precisa ir apenas para o exterior fazer pesquisa. Você pode ver as pessoas na rua, em qualquer parte do Brasil.”

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A paulista deixou a Levi’s em 1983 para empreender. À frente de sua própria consultoria, ela atendeu os departamentos de comunicação e marketing de clientes como Hering e O Boticário, quando a rede de cosméticos e perfumes tinha apenas sete lojas. Para Angela, seu sucesso na área de marketing tem a ver com determinação. “Sempre fui de ação”, explica. “Ciente da minha função, fazia com simplicidade e trazia resultado. Na minha cabeça é assim: se você dá resultado, tem espaço garantido.” E, mesmo após mais de 50 anos de carreira, ela não se acomoda. “Eu não quero sucesso”, diz. “Quero estar sempre buscando o sucesso.”

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Ultimamente, essa busca ofusca seu tempo livre. Angela sente falta de curtir as netas, assistir a um bom filme e viajar. “Quero voltar aos países que andei mundo afora na época das Havaianas”, conta a nissei, já imaginando seu roteiro pelo leste europeu. A sucessão da JAPAN HOUSE São Paulo também está no radar. Daqui a dois anos, ela pretende deixar o dia a dia da instituição para se dedicar apenas ao conselho. “Talvez eu ocupe essa posição”, diz, “até que minha mente tenha saúde suficiente para isso”. Conhecida pela energia de dar inveja aos mais jovens – quando aterrissa de um voo intercontinental do Japão, ela segue do aeroporto direto para o escritório –, Angela ainda deve fazer muita história.

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Segundo ela, o segredo é sempre responder “o que eu quero ser?” Com carta branca dos pais para fazer o que quisesse, postura pioneira para os anos 1950, a mais velha de 13 irmãos sabia que não queria ser a mãe, que cozinhava, lavava a roupa e cuidava da casa; tampouco o pai, que dependia da chuva e dos ventos para administrar a fazenda de gado e café. Viciada em livros, ela cursou um semestre de Literatura, mas abandonou e foi fazer administração, até encontrar o marketing. “Esse é o conselho que dou para quem está começando”, diz Angela. “No início, eu não sabia o que queria ser. É preciso parar para pensar. A vida é uma só. Tem que fazer o que gosta.”

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Publicado em:

Fotografia Flavio Terra

Novembro de 2017, Avianca em Revista

Fotógrafo Flavio Terra

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